domingo, abril 28, 2013

Confissões de uma inexistente.

Eu não existo porque sou coletividade. Porque choro ao ver aquela senhora, toda suja, mas cheia de dignidade, sentada sob uma caixa de papelão com uma trouxa de roupas, igualmente sujas, às quais ela se agarra no frio da noite. Não existo porque quando avistei aquele senhor se desdobrando de frio, sob a cobertura de uma loja qualquer, abraçando as pernas como se isso afastasse o véu denso de temperatura que a noite derrubava, chorei. Chorei muito, por muito tempo. Mas nada além disso. Tudo o que fiz foi chorar. Fui mera plateia, observadora. Dignei-me apenas a chorar. E eu sei que poderia ter feito algo além disso. Por isso sou inexistente. Porque respirar, comer, andar pelas ruas, ter sangue nas veias e amor no coração, nada disso define sua existência. Você existe a partir do momento em que sai da inércia. Em que deixa de ser espectador e passa a ser artista. Mas para isso, meu caro, para sair do lugar é preciso coragem. E coragem não se compra, não se aluga e não é item de quest. Um dia você vai, depois de tanto tempo sem existir, se você é um indivíduo digno, que se questiona e chora pelos cortes que não teve, um dia você vai descobrir de onde vem a coragem. E, adivinhe só? Ela vem de dentro. Look inside.

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